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KVHR

O legado do KVHR: desenho, criatividade e atitude (por estêvão da fontoura haeser)

Entre maio de 1979 e abril de 1980 um grupo formado pelos artistas Milton Kurtz (Santa Maria/RS 1951 – Porto Alegre/RS 1996), Julio Viega (Porto Alegre/RS, 1955), Paulo Haeser (Porto Alegre/RS, 1950 – 2021) e Mário Röhnelt (Pelotas/RS, 1950, Porto Alegre/RS, 2018), baseado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, se destacou na cena artística da capital gaúcha pela criativa estratégia de divulgação de sua primeira exposição. Inspirados pelo movimento de Arte Postal, em evidência naquele momento, produziram doze cartazes no formato A4, a maioria feita a oito mãos, que foram enviados pelo correio ao público, como uma contagem regressiva, um por mês.

Aquilo que na época foi, para os artistas, apenas uma forma de divulgação barata e efetiva da exposição que aconteceria em maio de 1980 na Galeria Eucatexpo, pode ser visto hoje como parte da exposição. O público formado por pessoas influentes do mundo da arte, como galeristas, curadores e artistas, mas também por amigas, amigos e familiares dos quatro artistas, teve acesso aos poucos ao que veriam na galeria, recebendo em casa cartazes desenhados que antecipavam a maestria técnica do grupo e os temas que lhes eram caros. A mistura entre padrões geométricos, que remetem à Optical Art de Jesús-Rafael Soto (Ciudad Bolívar/Venezuela, 1923, Paris/França, 2005) e Julio Le Parc (Mendoza/Argentina, 1928), padrões decorativos, repetição e excesso de elementos e figura humana hiper-realista, que indica alguma afinidade do grupo com a Pop Art, evidenciam a atualidade do referencial e a relevância histórica do KVHR.

Outro exemplo de conexão com o seu tempo é a utilização da xerografia, que ainda era novidade no Brasil nos anos 1970 e da impressão em offset, técnicas que permitiam a reprodutibilidade necessária e economicamente viável para a empreitada planejada para a divulgação do grupo. Essa questão tecnológica é outro ponto que aproxima a ação do KVHR da Arte Postal, cujo expoente no país era e ainda é o artista pernambucano Paulo Bruscky (Recife/PE, 1949).

Esta ação pode ser entendida também como uma atitude questionadora do KVHR frente ao frágil sistema da arte de Porto Alegre na época e à dificuldade de inserção de jovens artistas, com a escassez de espaços e de uma estrutura pública estabelecida pelo município ou pelo estado. Esta realidade vem se transformando nas últimas décadas a partir de algumas iniciativas, como o surgimento da Bienal do Mercosul, por exemplo, que vem movimentando a cena artística da cidade e de alguns espaços e políticas públicas a partir de editais, como o FUMPROARTE e o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e leis de incentivo (que viabilizam a realização da Bienal do Mercosul, por exemplo). Mesmo assim o problema ainda está longe de ser resolvido e o acesso ao sistema da arte segue elitizado e desigual, o que confere atualidade à postura do grupo KVHR.